segunda-feira, 18 de março de 2013

Crônica do Veríssimo sobre o Papa Francisco


Muito boa esta crônica. Eu concordo com tudo!

Papa inesperado

Luis Fernando Veríssimo, O Gobo, 17/03/2013

"A Igreja argentina sempre teve um poder junto à classe conservadora e o pensamento dos seus lideres muito maior do que a igreja brasileira junto a nossa elite, por exemplo."
Eu sei que ninguém mais diz coisas como “pelas barbas do profeta!” mas acho que deveríamos ter uma expressão parecida pronta para os casos de grandes surpresas (minha sugestão: “Pelas coxas da Beyonce!”) como a eleição de um papa inesperado.

Guardadas as obvias diferenças, a escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio equivale a um daqueles prêmios Nobel de Literatura dado a um autor que só dezessete pessoas no mundo conhecem, e dez estão mentindo. Na Venezuela corre a versão de que a escolha de Bergoglio foi resultado de um pedido feito pessoalmente a Deus pelo Hugo Chavez. Pode ser verdade, mas o que não contam é que a primeira reação do Senhor ao ouvir o nome do argentino foi “Quien?” As piadas proliferam.

Já ouvi que, junto com a euforia, nota-se um certo desapontamento na Argentina pelo fato do novo papa ter preferido se chamar Francisco e não Diego Armando. A eleição do Jorge Mario, junto com os gols do Messi, espalham um certo temor pelo mundo: o de que a certeza argentina da sua superioridade sobre todos nós pode não ser megalomania!


Reuters

É um pouco injusto evocar agora o suposto apoio ao regime, ou a suposta omissão, do novo papa durante a ditadura militar no seu país. A Igreja argentina sempre teve um poder junto à classe conservadora e o pensamento dos seus lideres muito maior do que a igreja brasileira junto a nossa elite, por exemplo. O que de certa forma a exime, se não a redime.

É compreensível que ela tenha sido cautelosa na preservação do seu poder em meio à selvageria, e que hoje se confunda isto com colaboração. Mas também é verdade que um regime repressor tão extraordinariamente brutal como foi o argentino deveria ter excluído qualquer prurido ou desculpa. Mas, enfim, os generais da repressão estão sendo responsabilizados e os torturadores estão indo para a cadeia (na Argentina, pelo menos) e o papa Francisco tem acesso direto ao ouvido de Deus, se sentir a necessidade de contrição. E se conseguir que o Hugo Chaves se cale.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O Papa me pregou uma peça

O Papa Paulo VI morreu em 1978. Nesta época eu era recém-formada em Jornalismo pela UFRGS. Portanto, uma completa foca. Trabalhava como redatora de notícias da Rádio Continental de Porto Alegre.  Meu chefe era o Adroaldo Corrêa. Eu não sabia nada sobre Vaticano, Igreja Católica e a liturgia da sucessão.  Nunca ouvira falar na tal fumaça branca.

Mas eu estava lá, de plantão na rádio, quando os cardeais começaram a votar no Conclave. Eu fazia rádio escuta. Uma atividade da era jurássica que consistia em gravar o noticiário das emissoras concorrentes para saber o que estava acontecendo. A gravação era feita em um gravador com fita de rolo! O gravador era chamado de portátil porque tinha uma alça, mas devia pesar uns cinco quilos. Eu também recebia telegramas das agências internacionais. A rádio assinava três serviços de notícias e as máquinas ficavam na sala da redação, fazendo um barulho horrível o dia todo.

E foi assim, com um olho nos telegramas das agências e o ouvido na rádio escuta que eu fiz a cobertura da escolha do Papa. Saiu a tal fumacinha branca e foi anunciado João Paulo I como o representante da Igreja de Pedro. Ele ficou conhecido como o Papa Sorriso de Deus e tinha 65 anos.

Durou pouco este Papado. Só 33 dias. O Papa morreu no meu plantão! É muita falta de sorte. Eu ali na redação e as agências, num barulho infernal, não paravam de cuspir telegramas sobre a morte do Papa e as rádios também tinham esta notícia. Eu interpretei aquele monte de informação como uma retrospectiva de um mês da posse do Papa. Na minha lógica era impossível ter morrido mais um Papa em 30 dias.

Mas ele tinha morrido. A Rádio Continental deve ter sido a última rádio do Brasil a divulgar a morte.

Dez dias depois houve um novo Conclave e o escolhido foi um cardeal da Polônia, Karol Wojtyla, que adotou o nome de João Paulo II. Ele morreu em 2005. Seu sucessor foi o hoje renunciante Bento XVI.


Esta parte da história todo mundo conhece.

Voltando a João Paulo II, ele visitou o Brasil duas vezes. Na primeira eu estava trabalhando em outra rádio, a Gaúcha, que depois virou RBS. Deixei o engenheiro de som maluco ao entrar ao vivo com um aparelho motorola fazendo o trajeto contrário ao fluxo de peregrinos que se dirigia ao local onde seria rezada a missa campal. Eu queria ver de onde vinha tanta gente. O engenheiro me mandou voltar porque havia o risco da rádio não conseguir captar o sinal do meu aparelho graças ao meu deslocamento em sentido contrário ao planejado.

O povo gritava “ucho, ucho, ucho, o Papa é gaúcho!”. Muito engraçado.

O Papa não iria à Argentina, então as Mães da Praça de Maio foram à Porto Alegre e conseguiram ser recebidas por ele. Elas buscavam pelos filhos sequestrados pela ditadura. O Brasil também vivia na ditadura, mas sobre isto não podíamos falar.

Na segunda visita Papal eu estava em Brasília, na época trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo. O Papa visitou várias cidades brasileiras. Eu fui enviada para a cobertura em Goiânia, junto com o repórter João Domingos.

Descobrimos que não havia mais nenhum mendigo na rua. O governo sumiu com eles. Em frente ao local onde foi rezada a missa campal havia um outdoor da última campanha da Benetton onde um padre e uma freira se beijavam. O outdoor foi retirado para o Papa não ver. Provavelmente uma ação inútil, como a Benetton é da Itália, o Papa devia ter visto o outdoor por lá.

E isto é tudo o que sei sobre Papas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Medo de feriado

A cada feriado que se aproxima eu estremeço. Não seria diferente neste feriadão de Carnaval. Com a Lei Seca, a situação se agravou e meu pânico cresceu.

Com a intolerância cada vez maior à combinação bebida alcoólica e direção, aumentou o número de pessoas que fazem festinhas em casa. E no recinto do lar enchem a cara.
Eu moro em um condomínio enorme, em Brasília, em área rural, cercado por vegetação do Cerrado e áreas de transição das matas Atlântica e da Amazônia, com quatro nascentes. Um lugar assim tem um rico habitat. Milhares de roedores, primatas e aves buscam abrigo neste espaço, que são áreas de preservação permanente garantidas pelo Ministério Público e pelo Ibama.
Minha opção por viver aqui foi exatamente por isto: contato com a natureza, respeito ao ambiente e o silêncio da mata.
Mas quando tem feriado, muitos não respeitam isto. Alguns vieram viver neste condomínio por outros motivos, e um deles foi o econômico. O lote aqui é mais barato do que nas região dos lagos, apesar de ser bem maior. Então o critério natureza não conta na hora de decidir.
Meu terreno tem 1.300 metros quadrados, fica em frente a um dos córregos e é cercado pelo Cerrado.

Não tenho vizinhos cerca com cerca. Mas isto não foi suficiente para me proteger. Do outro lado do cerradinho mora um vizinho que adora beber em casa nos feriados e tocar suas músicas de gosto duvidoso bem alto. Hoje, acreditem, ele contratou uma banda!
Meus cachorros estão estressados e eu idem. Os pássaros silvestres sumiram junto com os mico-estrelas. Não vi mais nenhum dos meus queridos vizinhos animais que vêm na porta da minha cozinha buscar mamão e banana.
Este vizinho ruidoso é um policial e a esposa trabalha em tribunal de justiça. É possível? É. Uma dupla que conhece a lei e não a respeita. Em tese, conhece o direto do próximo. Mas não o respeita.
Há outros semelhantes espalhados pelo condomínio. São minoria, felizmente, mas contaminam o ambiente como a maçã podre do cesto. É o caso do prestador de serviço de empresa pública, que pode se dar ao luxo de atender os chamados em casa, enquanto obriga os vizinhos a desfrutar de seu gosto musical.
E tem os roqueiros idosos, com excelente repertório, mas sem noção de horário e nem de decibéis.
É por isto que eu tenha pânico de feriado e adoro quando chove muito.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Sinto falta

Sábado à noite dei um beijo nos meus dogs e disse: o vovô vai ligar daqui a pouco e perguntar como estão vocês. Foi um pensamento rápido, logo lembrei que meu pai morreu no meio de 2012. Até então era assim, todo o fim de semana ele ligava de Porto Alegre para mim, que vivo em Brasília desde 1988, falava um pouco de tudo, contava piadas como sempre e perguntava pelos “meninos”, Tupã e Pisco, meus queridos doguitos.
 

Desde que mudei para Brasília havia um telefonema no fim de semana. No começo, eventual, porque as ligações eram muito caras. Nesta época era mais comum minha mãe mandar um farto Sedex cheio de coisas que ela achava que me interessariam: recortes do jornal gaúcho Zero Hora, livros de autores locais, fotos e alguns bilhetes.

Depois que minha mãe morreu, em 1998, vítima de um câncer veloz, meu pai passou a telefonar todo o fim de semana. Se eu não estava, deixava recado na secretária eletrônica. Raramente ligava no celular porque achava que era muito invasivo, apesar de não utilizar esta palavra.

Eu ligava de volta depois. Ele falava sobre os meus irmãos e a rotina da casa, as caminhadas pelo bairro, a namorada, que virou companheira fiel até os seus últimos dias, também vitimado por um câncer em 30 dias, as novas netas e terminava, como sempre, contando piadas ouvidas no baile dos idosos. Ele sempre foi bom pra contar piadas, nunca esquecia a história.

E agora, eu já passada dos 50, percebo que não tenho mais mãe e nem pai. É muito estranho. Tenho irmãos e filha, e meus amados doguitos, mas não é a mesma coisa. Não ter mãe e nem pai coloca você na condição de órfão. E isto faz com que você deixe de ser filho de alguém.

Hoje, sábado à noite, estou sentindo falta do telefonema que sei que não vou receber. Nem amanhã, domingo, e nem nunca mais.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Natal sem Sedex

Este foi o primeiro Natal, desde que deixei Porto Alegre há mais de 20 anos, que não recebi um Sedex de meu pai com um presente.

Quando minha mãe estava viva, a caixa chegava com um lindo cartão assinado pelos dois.

A partir de 1999, a caixa vinha só com a assinatura de meu pai no cartão.

Este ano não teve Sedex e este fato foi mais uma ruptura que senti.

A gente percebe a morte de várias maneiras e aos poucos, com o fim de gestos aos quais já estávamos
acostumados.

No dia nove de janeiro, meu aniversário, chegava o segundo Sedex. Isto também acabou.