segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Bem-te-vi que tomou leite

Acho que eu tinha uns 10 anos. Era domingo e eu voltava da missa na igreja da praça. Fazia sempre o mesmo caminho, pela rua Dr. Pedro Bittencourt. Uma rua pequena e muito agradável, com um amplo canteiro no meio. Essa também era a rua da feira uma vez por semana.

Na esquina da minha rua, a Dr. Barcelos, tinha um mato de eucaliptos e um córrego. Era um lugar que eu, meus irmãos e os vizinhos, costumávamos brincar.
Nesse domingo, em especial, eu escutei um pio, quase choro, vindo do chão. Procurei em meio ao capim e encontrei um filhote de Bem-te-vi. Deve ter caído do ninho. Não vi a mãe e não encontrei o ninho. Ele era bem novinho, quase não tinha penas e o bico ainda era mole.
Peguei o bichinho e levei pra casa. Meu pai arranjou uma gaiola e eu coloquei o filhote lá. Não sabia o que ele comia e não havia Google para me orientar.
Em pouco tempo eu defini qual seria a dieta do Bem-te-vi. Mas nunca dei nome ao bichinho. O que acho estranho até hoje.
O meu Bem-te-vi foi alimentado com água, que eu colocava em um conta-gotas, e leite de vaca misturado com água. Sim, leite. Para mim era óbvio que todo o filhote toma leite e não importa que ele seja um passarinho!
Ele sobreviveu ao meu cardápio e foi crescendo. Troquei a dieta. Passei a oferecer na ponta do meu dedo pedacinhos de carne bem pequeninhos. Ela adorou.
Um dia observei que ele tinha um machucado na cabeça, mostrei para meu pai e ele disse que era um berne. Para quem não sabe, berne é um verme colocado pela mosca varejeira. Era necessário tirar.
Também adivinhei o tratamento. Peguei o bichinho, coloquei mercúrio na infecção e espremi o tal do berne até sair. Ficou um buraco. Coloquei mais mercúrio e depois cobri com Hipoglós. Lá em casa se usava Hipoglós para tudo e achei que daria certo. Deu. O Bem-te-vi também sobreviveu ao meu tratamento veterinário.
Quando ele já estava grandinho e a gaiola parecia pequena demais, meu pai me chamou e disse que era chegada a hora de soltá-lo. Que ele precisava de espaço e que deveria encontrar outros passarinhos. E disse aquilo que ele sabia que eu queria ouvir como fã dos filmes de Wal Disney:
-Ele vai ficar voando por aqui e deve pousar no teu ombro.
Isto seria a coisa mais linda do mundo. Eu com um Bem-te-vi pra lá e pra cá. Fiquei me imaginando indo para o colégio com o Bem-te-vi e o Yogui- o cachorro vira-lata que me acompanhava, seria o maior sucesso. Um verdadeiro filme de Wal Disney.
Soltei o Bem-te-vi. Ele saiu da gaiola como uma flecha. Voou em círculos por alguns minutos e depois seguiu para o mato de eucaliptos onde eu o havia encontrado e eu nunca mais o vi. Chorei bastante.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Três cachorros

Lamento muito não ter fotografado nenhum dos três. Dois deles eu conheci no Lago Sul, no meu trajeto de casa até o trabalho. O terceiro, melhor, a terceira, porque é uma cadelinha, é uma moradora de rua que frequenta a portaria de três condomínios. Um deles é o meu, o Verde. Ela foi acolhida pelos porteiros e também por alguns moradores, mas é muito arisca.
O primeiro cachorro do Lago que chamou minha atenção era um Pastor cadeirante. Ele corria alegremente pela rua acompanhando o ritmo de seu dono, ou seria um treinador (?), e outros dois cães, menores, que me pareceram ser Coker Spanish, estavam atrelados a cadeira e o ajudavam na corrida. Vi esta cena três vezes e nas três não tinha onde parar o carro para fotografar. Nunca mais vi esse grupo, apesar de fazer o mesmo trajeto no mesmo horário. Foi uma linda cena, o grupo todo parecia ser muito feliz e estar se divertindo.
O segundo cachorro era enorme, um Mastiff, idoso, com seu dono idoso. A dupla fazia um trajeto bem longo, os encontrei em vários pontos do Lago Sul e também neste caso não consegui parar o carro para fotografar. O Mastiff caminhava meio trôpego e tinha calos nos cotovelos. O seu dono, apesar do porte atlético, também caminhava com um pouco de dificuldade e sempre estava com um faixa no joelho. Essa dupla eu vi mais vezes. Até que um dia eu vi apenas o senhor caminhado, triste, sem o cachorro.
E agora não o vejo mais. Eu acho que o cachorro, seu grande companheiro morreu, e ele perdeu o gosto pela caminhada. Também penso que ele deve ser viúvo e não tem outra companhia para a caminhada. Eles formavam uma bonita dupla.
São duas histórias que fiquei sem saber como terminaram.
A cadelinha, o terceiro cão a chamar minha atenção, adotou o ponto de ônibus como casa e recebe a atenção dos porteiros dos três condomínios próximos. Ela aparenta ter menos de um ano, é branca e caramelo e eu a chamo de Malhada. Quando saio para o trabalho, paro o carro no ponto de ônibus e deixo ração em um potinho. Ela é arredia, ainda não consegui fazer carinho. Sempre deixo um biscoitinho para ela pegar.
O porteiro do condomínio em frente disse que ela deve ter sido abandonada no ponto de ônibus e é por isto que não vai embora, aguardando que venham buscá-la. O que não acontecerá. Enquanto isto, a Malhada ganha a atenção de três porteiros e de alguns moradores que perceberam nela a oportunidade de demonstrar afeto e carinho.

Nota: A foto deste texto é apenas ilustrativa