segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Perros de Montevidéu

Muitos cães passeiam pelas praças de Montevidéu. Estão na guia, conduzidos por seus donos. Felizes, aproveitam o Sol do fim da Primavera e parecem cumprimentar a todos que encontram, cachorros e pessoas. Alguns deles estavam soltos, mas não pareciam perdidos. Em Colônia do Sacramento um Golden nos seguiu, queria só um pouco de carinho. Segundo a nossa guia, ele está acostumado a seguir grupos de turistas.

Parece que todo o morador de Montevidéu tem um cachorro. É comum vê-los aguardando o dono em portas de supermercados e restaurantes. Ter um cachorro mostra o grau de socialização de uma comunidade. Eu já havia observado isto em outras cidades. As pessoas que conduzem cães nas ruas param para conversar com outras na mesma situação e sempre dão atenção para aqueles que querem fazer um carinho no cachorro. Os cães podem funcionar como cupidos em muitos casos.
Em Montevidéu pude observar uma outra característica nessa relação entre humanos e seus perros. No Uruguai eles parecem fazer parte também da história. O quadro a óleo que retrata o herói nacional José Artigas libertando Montevidéu da Espanha, instalado no plenário da Câmara dos Deputados, acima da Mesa Diretora, tem dois cachorros no primeiro plano.
No centro da tela está Artigas, montado e empunhando a espada, rodeado de soldados e civis. No canto direito da tela, foram retratados dois cachorros. Um deles olha para Artigas, e até parece sentir orgulho, e o outro está deitado, já curtindo a liberdade conquistada.


No Museu do Gaúcho, na Avenida 18 de Julho, centro de Montevidéu, também há perros. Neste museu eles repetem situações da vida cotidiana dos gaúchos.
Na praia, entre Carrasco e Pocitos, apesar dos avisos para que não circulem cães, eles correm alegres para todos os lados. Brincam na água fria, fuçam a areia e parecem conversar entre si.
Os perros de Montevidéu levam uma excelente vida de cachorro!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Bem-te-vi que tomou leite

Acho que eu tinha uns 10 anos. Era domingo e eu voltava da missa na igreja da praça. Fazia sempre o mesmo caminho, pela rua Dr. Pedro Bittencourt. Uma rua pequena e muito agradável, com um amplo canteiro no meio. Essa também era a rua da feira uma vez por semana.

Na esquina da minha rua, a Dr. Barcelos, tinha um mato de eucaliptos e um córrego. Era um lugar que eu, meus irmãos e os vizinhos, costumávamos brincar.
Nesse domingo, em especial, eu escutei um pio, quase choro, vindo do chão. Procurei em meio ao capim e encontrei um filhote de Bem-te-vi. Deve ter caído do ninho. Não vi a mãe e não encontrei o ninho. Ele era bem novinho, quase não tinha penas e o bico ainda era mole.
Peguei o bichinho e levei pra casa. Meu pai arranjou uma gaiola e eu coloquei o filhote lá. Não sabia o que ele comia e não havia Google para me orientar.
Em pouco tempo eu defini qual seria a dieta do Bem-te-vi. Mas nunca dei nome ao bichinho. O que acho estranho até hoje.
O meu Bem-te-vi foi alimentado com água, que eu colocava em um conta-gotas, e leite de vaca misturado com água. Sim, leite. Para mim era óbvio que todo o filhote toma leite e não importa que ele seja um passarinho!
Ele sobreviveu ao meu cardápio e foi crescendo. Troquei a dieta. Passei a oferecer na ponta do meu dedo pedacinhos de carne bem pequeninhos. Ela adorou.
Um dia observei que ele tinha um machucado na cabeça, mostrei para meu pai e ele disse que era um berne. Para quem não sabe, berne é um verme colocado pela mosca varejeira. Era necessário tirar.
Também adivinhei o tratamento. Peguei o bichinho, coloquei mercúrio na infecção e espremi o tal do berne até sair. Ficou um buraco. Coloquei mais mercúrio e depois cobri com Hipoglós. Lá em casa se usava Hipoglós para tudo e achei que daria certo. Deu. O Bem-te-vi também sobreviveu ao meu tratamento veterinário.
Quando ele já estava grandinho e a gaiola parecia pequena demais, meu pai me chamou e disse que era chegada a hora de soltá-lo. Que ele precisava de espaço e que deveria encontrar outros passarinhos. E disse aquilo que ele sabia que eu queria ouvir como fã dos filmes de Wal Disney:
-Ele vai ficar voando por aqui e deve pousar no teu ombro.
Isto seria a coisa mais linda do mundo. Eu com um Bem-te-vi pra lá e pra cá. Fiquei me imaginando indo para o colégio com o Bem-te-vi e o Yogui- o cachorro vira-lata que me acompanhava, seria o maior sucesso. Um verdadeiro filme de Wal Disney.
Soltei o Bem-te-vi. Ele saiu da gaiola como uma flecha. Voou em círculos por alguns minutos e depois seguiu para o mato de eucaliptos onde eu o havia encontrado e eu nunca mais o vi. Chorei bastante.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Três cachorros

Lamento muito não ter fotografado nenhum dos três. Dois deles eu conheci no Lago Sul, no meu trajeto de casa até o trabalho. O terceiro, melhor, a terceira, porque é uma cadelinha, é uma moradora de rua que frequenta a portaria de três condomínios. Um deles é o meu, o Verde. Ela foi acolhida pelos porteiros e também por alguns moradores, mas é muito arisca.
O primeiro cachorro do Lago que chamou minha atenção era um Pastor cadeirante. Ele corria alegremente pela rua acompanhando o ritmo de seu dono, ou seria um treinador (?), e outros dois cães, menores, que me pareceram ser Coker Spanish, estavam atrelados a cadeira e o ajudavam na corrida. Vi esta cena três vezes e nas três não tinha onde parar o carro para fotografar. Nunca mais vi esse grupo, apesar de fazer o mesmo trajeto no mesmo horário. Foi uma linda cena, o grupo todo parecia ser muito feliz e estar se divertindo.
O segundo cachorro era enorme, um Mastiff, idoso, com seu dono idoso. A dupla fazia um trajeto bem longo, os encontrei em vários pontos do Lago Sul e também neste caso não consegui parar o carro para fotografar. O Mastiff caminhava meio trôpego e tinha calos nos cotovelos. O seu dono, apesar do porte atlético, também caminhava com um pouco de dificuldade e sempre estava com um faixa no joelho. Essa dupla eu vi mais vezes. Até que um dia eu vi apenas o senhor caminhado, triste, sem o cachorro.
E agora não o vejo mais. Eu acho que o cachorro, seu grande companheiro morreu, e ele perdeu o gosto pela caminhada. Também penso que ele deve ser viúvo e não tem outra companhia para a caminhada. Eles formavam uma bonita dupla.
São duas histórias que fiquei sem saber como terminaram.
A cadelinha, o terceiro cão a chamar minha atenção, adotou o ponto de ônibus como casa e recebe a atenção dos porteiros dos três condomínios próximos. Ela aparenta ter menos de um ano, é branca e caramelo e eu a chamo de Malhada. Quando saio para o trabalho, paro o carro no ponto de ônibus e deixo ração em um potinho. Ela é arredia, ainda não consegui fazer carinho. Sempre deixo um biscoitinho para ela pegar.
O porteiro do condomínio em frente disse que ela deve ter sido abandonada no ponto de ônibus e é por isto que não vai embora, aguardando que venham buscá-la. O que não acontecerá. Enquanto isto, a Malhada ganha a atenção de três porteiros e de alguns moradores que perceberam nela a oportunidade de demonstrar afeto e carinho.

Nota: A foto deste texto é apenas ilustrativa

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O curioso caso de Teresio Capra

A história do italiano Teresio Capra é tão peculiar quanto à vivida por Brad Bitt em “O curioso caso de Benjamin Button”. Tal como no filme, Capra vai se reinventando à medida que novos desafios surgem em sua vida. Aos 14 anos, Capra já fazia parte da Brigada de Paraquedistas das tropas de Mussolini, na Segunda Guerra Mundial.


Com 17 anos, começou a trabalhar como minerador em minas de carvão da Bélgica, onde contraiu uma silicose- doença profissional que afeta a elasticidade dos pulmões. Trabalhava no turno vespertino e escapou do acidente que matou 180 mineradores italianos do turno da manhã. Antes de completar 21 anos,

Capra desembarcava no Rio de Janeiro, era 1950. Sem formação profissional adequada para os desafios urbanos brasileiros, o italiano tratou logo de se matricular no SENAI, onde fez cursos de carpintaria, pedreiro e mestre-de-obras.
Capra não esperou muito para conseguir emprego em uma construtora e casar com a mineira Maria Aparecida, com quem teve dois filhos, Tânia e Edison. O salário, de quatro mil Cruzeiros, era insuficiente.

Então ele tomou uma decisão arrojada: com os músculos bem desenvolvidos graças ao trabalho na construção civil, Capra foi lutar box nos estúdios da TV Rio para complementar a renda. Foi pioneiro também nisso.


Ao atravessar um campo para pegar o ônibus da linha Jacarezinho/Copacabana, Capra sentiu uma forte dor de barriga e procurou um matinho para se acomodar. Pois foi nesta situação insólita que o destino deu uma mãozinha. O vento jogou na direção de Capra um jornal velho com um anúncio pedindo mestre-de-obras para trabalhar em Brasília. A expressão “paga-se bem” chamou sua atenção. Nesse dia, não foi trabalhar.

Seguiu direto para o endereço publicado no jornal, na rua México, onde funcionava o escritório da construtora Ecisa. Foi atendido por um engenheiro inglês, Donald.

Para trabalhar em Brasília, Capra fez uma proposta de risco: um mês sem salário e depois o engenheiro avaliaria o resultado. Trinta dias depois, Donald analisou o andamento das obras da Quadra 103 Sul, sob responsabilidade de Capra. Gostou do que viu e perguntou de quanto seria o salário. Capra pediu 12 mil cruzeiros, Donald pagou 14 mil. Era o ano de 1957 e o italiano desembarcara na futura capital do País em um avião DC-10.

Ao mesmo tempo em que construía a cantina e o alojamento dos operários da Quadra 103 Sul, Capra ergueu a casa de madeira onde sua família iria morar. Disciplinado, sem preguiça para o trabalho, Capra ganharia muito dinheiro ao vencer o desafio proposto por sua empresa de ser a primeira construtora a alcançar a cumieira da obra. Ganhou duas vezes, acumulando 200 mil cruzeiros. Tudo guardado em casa.

Quando a Caixa Econômica Federal abriu sua primeira agência em Brasília, uma Kombi parou em frente à casa de Capra para fazer o depósito da fortuna. “Era muito dinheiro. Havia notas no colchão das camas, em latas, por tudo. Mas não tinha perigo. Naquela época não havia ladrão em Brasília”. Bons tempos, recorda Capra.

sábado, 13 de outubro de 2012

Yuki, um cachorro adorável

Yuki decidiu atravessar a rua Dr. Barcelos e morar conosco, casa número 381. Ele era do vizinho da frente, um casal de professores com três filhos. Naquela época, meados de 1960, os cães eram livres. O normal era os cachorros passearem e voltarem pra casa para comer e dormir. Nenhum deles se perdia como hoje, todos voltavam. Quer dizer, alguns a carrocinha pegava e a gente tinha que ir arte a zoonose, no Hospital de Veterinária da UFRGS, buscar antes que eles virassem sabão, como se dizia. Minha mãe foi de táxi duas vezes buscar o Yuki.


Quando Yuki decidiu mudar de endereço eu devia ter uns 10 anos, ainda estudava no Grupo Escolar 3 de Outubro, a 3 quadras de casa. Yuki me seguia disfarçando. Eu olhava para trás e ele se escondia.

Mas quando eu chegava na escola lá estava ele, chegava antes e espera no portão. Um vira-lata enorme, preto e branco, com o rabo abanando alegremente por ter me enganado mais uma vez. As vezes ele conseguia ficar esperando a minha aula terminar deitado no corredor da escola. Outras vezes era espantado pelas funcionárias e aguardava na praça ou ia para casa.

Algumas vezes ele ia conosco até o ponto de ônibus, quando tínhamos de ir ao centro de Porto Alegre por algum motivo, e tentava entrar no ônibus. Uma vez ele conseguiu entrar e eu e minha avó descemos no ponto mais próximo para ele sair. Outras vezes ele corria atrás do ônibus até cansar, ou atrás do carro do meu pai, um fusquinha, que em Porto Alegre se diz “fuca”.

Yuki era um cão adorável. Também nos seguia quando meu irmão mais velho me levava para as Bandeirantes de carona na bicicleta. Era o Grupo Bandeirante Salamandra do Jarau. E esperava terminar a reunião dos sábados deitado na calçada na sombra de uma das árvores do Clube dos Jangadeiros, em frente ao rio Guaíba, que agora chamam de lagoa. Os tempos mudaram tanto que até a geografia foi junto. Ele também me esperava quando eu tinha aula de educação física, de manhã, nas quadras do Clube Comercial. Uma vez, quando a professora mandou que corrêssemos em volta da quadra de futebol de salão para aquecer, ele correu junto até ser expulso.

Um dia um carro parou em frente a nossa casa e uma cachorrinha foi colocada para fora. Uma vizinha viu e contou que foi assim que chegou a Bazuquinha. Esse nome horrível fui quem deu pra coitada. Yuki foi na calçada, cheirou a forasteira, deu boas vindas, e a convidou para entrar. Ninguém lá em casa contrariou. Bazuquinha foi acolhida primeiro pelo Yuki e depois por toda a família. Não tiveram filhotes e viveram felizes juntos uns 10 anos.

Quando Yuki partiu eu já estava casada, não morava mais na Dr. Barcelos, e recebei a notícia por meu pai que se referia a ele como “o falecido Yuki”. Bazuquinha partiu depois e eu já vivia em Brasília. Yuki protegia a casa e a família e era muito carinhoso. Até tiro levou protegendo a casa de um assalto. A bala pegou na boca e se alojou na mandíbula. Ele foi operado e tirou de letra. Morreu de velhinho, feliz, e sem sofrer, contou meu pai.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sofia, a cachorrinha sensível

Este vídeo conta a história de amizade de uma família e duas cachorrinhas. Sofia é a mais sensível e sofre com a chegada do bebê do casal. Trata-se de um vídeo institucional da rede de drogarias Panvel, de Porto Alegre, e está fazendo muito sucesso na web.

E faz sucesso justamente por contar uma história que pode ser real, pode ser a sua, com seu cachorinho, ou seu gato e seu filho, pode ser a história de qualquer um de nós e, por isto, toca tão fundo em nossas emoções.


http://www.youtube.com/watch?v=7vQwoywtjTk

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Enfermeira Cacilda: homenagem a uma mulher extraordiária

Entrevistamos a enfermeira Cacilda em 2009, para o blog Cartas de Brasília, que assinalou os 50 anos da capital. Recentemente ela partiu, aos 93 anos. Republicamos a entrevista em homenagem a esta grande mulher.

Com a enfermeira Cacilda, a história da saúde pública na inauguração de Brasília

A enfermeira e administradora hospitalar, Cacilda Rosa Bertoni, 90 anos, chegou em Brasília em 1958. Melhor, chegou na Cidade Livre, Brasília não existia, era apenas um canteiro de obras. Morou até 1960 em uma casa de madeira na Segunda Avenida, número 1.105, onde hoje é o Colégio La Salle. Em sua carteira do trabalho, sob o registro número 078, está o seu contrato como funcionária da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, assinada em 16 de maio de 1960.



A história da enfermeira Cacilda é uma saga. Antes de Brasília, ela percorreu a Amazônia. Era a década de 1940. Órfão, o roteiro de Cacilda inicia em Piracicaba e segue para Ribeirão Preto (SP). De lá ela viaja para o Rio de Janeiro com o objetivo de estudar Enfermagem na Escola Ana Nery e ser missionária. Diplomada em 20 de maio de 1946, embarca para Belém (PA) no dia primeiro de junho, para trabalhar no Hospital de Doenças Tropicais Evandro Chagas. Ficou dois anos e seguiu para Breves, na ilha de Marajó, onde os doentes precisavam muito mais dela dos que os enfermos da capital do estado. Na ilha permaneceu por mais dois anos no combate à malária e outros agravos à saúde.

“Era a época do esforço de guerra”, recorda Cacilda. Os Estados Unidos precisavam de borracha e para ter a matéria-prima os seringueiros necessitavam de atenção à saúde. E lá estava a enfermeira. De Breves, seguiu para Santarém, também no Pará, para organizar um novo hospital. Feito o serviço, aceitou uma bolsa para estudar Administração Hospitalar em Maryland, Baltimore (EUA).

No retorno ao Brasil casou com um representante da indústria farmacêutica, Afonso Bertoni, tiveram três filhos. Foi do marido a ideia de mudar para Brasília. Ele veio na frente, no final de 1957.   

A enfermeira que foi pioneira no mundo

Ela teve atitude para atender a população da cidade que aumentava da noite para o dia e equipar o Hospital Distrital, hoje Hospital de Base, para a inauguração em 1960.

O repentino urbanismo erguido em pleno Cerrado pelo presidente da República Juscelino Kubitschek, o JK, exigia respostas para todos os setores. E a Saúde era um deles. A data da inauguração de Brasília se aproximava, mas os equipamentos para instalar o Hospital Distrital ainda estavam dentro das caixas, no almoxarifado, em março. Depois de cinco anos de intenso trabalho para construir a nova capital do Brasil, o atendimento à saúde em um hospital moderno e central exigia respostas.

Até então, os pioneiros da nova capital resolviam seu problemas de saúde em hospitais de campanha erguidos nos acampamentos operários ou contavam com a ajuda de parteiras e enfermeiras. Cacilda Rosa Bertoni, enfermeira e administradora hospitalar, hoje com 90 anos, era uma dessas pessoas dispostas a ajudar (ao lado, a primeira ambulância, Acervo Público do DF).

Esforço de guerra

Ela chegou ao Distrito Federal em 1958, durante as obras de construção de Brasília, e foi morar na Cidade Livre, área que abrigava a maior parte dos pioneiros, hoje Núcleo Bandeirante. Cacilda tinha a experiência do “esforço de guerra”, adquirido na década de 1940, e rapidamente organizou uma força tarefa formada por uma costureira e sua filha, pegou uma máquina de costura, comprou peças de algodão, e começou a organizar os instrumentais, que precisam ser cobertos por tecido. Também conseguiu um jovem baianinho para fazer a limpeza. E ainda colocou para trabalhar na organização do hospital o recém chegado doutor Farani (José Farani, já falecido).

“O Farani só queria operar. Ele desejava inaugurar o hospital com uma cirurgia”, recorda Cacilda. Mas o primeiro paciente grave não foi para a cirurgia. Era um rapaz vítima de atropelamento. Teve fratura exposta. Mas o tratamento foi com uma técnica de imobilização e uso de água oxigenada no ferimento para evitar infecção. “Acabamos com a água oxigenada de Brasília e das redondezas”, recorda a enfermeira. A cirurgia, esperada por Farani, demorou um pouco mas acabou acontecendo.

Foi um caso de apendicite. Com o ritmo das obras de Brasília cada vez mais rápido para cumprir o prazo previsto para a inauguração, era cada mais frenético o movimento de veículos nas ruas, principalmente de caminhões e jeeps. Os operários, a maioria vinda de cidades do interior, onde quase não havia veículos, eram surpreendidos pela urbanização, que trazia consigo os riscos da modernidade (acima, à direita, a enfermeira Cacilda em foto do Correio Web).

Algodão e linha

O hospital abriu as portas, improvisado, para atender uma população estimada em 15 mil habitantes. Sala cirúrgica, sala para curativos, sala de espera. Não tinha lavanderia, refeitório, quartos etc. As roupas de cama eram levadas até as freiras de Taguatinga, a 30 quilômetros de Brasília, para serem lavadas. “Como faltava muita coisa naquela época, inclusive tecidos, muitos lençóis sumiam para aparecer na casa de ex-pacientes”, recorda a enfermeira. Quando terminava a linha para os pontos nos pacientes do hospital, Cacilda ia nas lojas de armarinho comprar linha de algodão preta número 40.

Outro médico daquele tempo, e que trabalhou com Cacilda, foi o doutor Aloísio Campos da Paz, da Rede Sarah de Hospitais. “Ele fotografava todos os procedimentos, dava muito trabalho, porque tínhamos de entregar a ele o ‘campo – pano esterilizado, e logo ficávamos sem ‘campos’ para os outros procedimentos”, diz a pioneira.

A enfermeira Cacilda foi quem criou a Secção de Enfermagem do Distrito Federal e foi sua primeira presidente. Era o ano de 1962.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Caiu na rede é cão e gato

É cada vez maior o número de histórias envolvendo cães e gatos
publicadas nas redes sociais. Passei a seguir alguns perfis, como o
@AndaNews, @segundachance e @queridocachorro, mas há muito mais no
mundo virtual. E todos eles preocupados em proteger pets perdidos ou
vítimas de maus tratos na vida real.

O @AndaNews vai mais além, fala de bichos de todas as espécies e conta
casos de sucesso em que animais aprisionados em jaulas de zoológicos
são alvo de campanhas humanitárias e enviados para santuários
silvestres. Onde, se espera, viverão felizes para sempre.
Há casos terríveis de crueldade, confesso que não consigo abrir todos
os posts para ler. Evito alguns para preservar minha saúde.
Inacreditável o que algumas pessoas fazem com os pobres bichinhos
indefesos. Principalmente cachorros. Os cães adoram gente, precisam de
alguém para cuidar deles. Quando perdidos, seguem uma pessoa na rua e
olham com aquela carinha linda querendo dizer “me ajuda”.
Faltam políticas públicas para proteger os pets. No Brasil, a
irresponsabilidade é enorme. Tem gente que pega uma ninhada inteira de
filhotes de cão ou gato e joga na rua. Isto deveria ser crime. Gente
que viaja e abandona seu bichinho. E por aí vai.
Na Europa, de um modo geral, não há cachorros soltos nas ruas. Todo
pet tem um responsável. E eles podem andar de ônibus ou de trem,
entram em lojas e restaurantes e são bem comportados. O cenário mudou
um pouco recentemente, soube, com a crise financeira que varreu o
mundo. Li que muitos pets foram abandonados nas ruas em países
europeus, onde muitas pessoas perderam emprego, dinheiro e imóveis.
O caso é que não consigo pensar minha vida sem um adorável cãozinho ao
meu lado. Tive vários, todos amados, que viveram até chegar o dia de
partir, já velhinhos. Apenas um, o querido Saroba, boxer albino,
partiu antes do tempo por falha da família, que esqueceu de aplicar a
anti-rábica. Foi muito triste vê-lo doente. Ele não atacou ninguém,
mas, por precaução, todos nós recebemos a vacina anti-rábica. Foram 15
aplicações na barriga. Pior que a injeção foi ver o Saroba partir
antes da hora.
Lembro muito do queridíssimo Yuki. Um vira-lata enorme, preto e
branco, que decidiu morar lá em casa quando eu tinha uns 10 anos de
idade. Me seguia pra todo o lugar. Eu de bicicleta e ele correndo
atrás. Até ao colégio ia comigo e ficava esperando no portão. Duas
vezes a “carrocinha” o pegou e fomos buscar de táxi.
Ele era um cão livre, sem coleira. Naquela época o comum era não usar
coleira e andar na rua à vontade. Yuki sempre soube voltar pra casa.
Quando morreu eu já estava casada. Pelos nossos cálculos, ele deve ter
vivido uns 20 anos. Depois que partiu, meu pai se referia a ele como
“o falecido Yuki” e sempre tínhamos uma boa história pra contar sobre
este amado cachorro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Uma aranha dentro do tênis

Aranha armadeira. Guardem este nome. Também é conhecida como aranha de bananeira.  Em humanos adultos, sua picada pode ser fatal a partir da quinta hora do ataque. Eu fui vítima da bichinha. Estava dentro do tênis, calcei sem sacudir e fui passear com os dogs Pisco e Tupã.


Até que ela aguentou firme, só reclamou do meu pé apertando-a depois de uns 15 minutos de caminhada, quando resolveu enfiar suas quelíceras no dedão do meu pé direto, que recebeu um jato de veneno.

Dói. Dói bastante. Me joguei no chão e imediatamente tirei o tênis, pensando que encontraria um escorpião. Era uma aranha, até pequena, parecia inofensiva. Por coincidência eu estava em frente a casa dos meus vizinhos veterinários.  Matei a aranha e fui lá, mancando.

O casal olhou e disse que tinha quase certeza de que era uma aranha armadeira e, se fosse, o efeito do veneno poderia ser fatal a partir da quinta hora. E completou: o soro antiaracnídeo só existe em um hospital da rede pública em Brasíla. Lá fui eu pro HRAN.

Cheguei com a aranha dentro de um copo plástico e fui logo explicando: fui picada por esta aranha, ela é venenoso, pode até matar.

A resposta: preenche a ficha, senta e aguarda.

- Mas eu estou morrendo...

- Senta!

Depois de uma hora e nada, liguei para o Centro de Toxicologia, um serviço 24 horas que atende no número 0800.6446774, e expliquei o caso. Bruno foi quem me atendeu. Pediu a foto da aranha, mandei via celular. Sim, ele confirmou ser uma armadeira.

Meu pé latejava, mas não estava inchado, nem havia mais a marca da picada. Eu não estava ensanguentada, nem com fratura exposta. Nunca seria atendida na emergência da rede pública. Peguei o carro e fui para o hospital do meu plano de saúde. Contei a história, recebi um remédio para dor e a médica explicou o que eu já sabia: o soro só existe na rede pública.

Ela mesma ligou para o Centro de Toxicologia, reclamou que eu não havia sido atendida. O
Centro ligou para o plantão do HRAN, que mandou eu voltar e, quando cheguei na emergência, quatro horas após a picada, um grupo de funcionários me recebeu e encaminhou logo para o médico. Minha pressão estava 19 por 14. Mais um pouquinho e eu teria um enfarto.

O médico telefonou para o Bruno, trocaram ideias sobre o meu caso, e só então eu recebi uma unidade do bendito soro antiaracnídeo. A pressão não desceu, me deram uma medicação adicional para deixar em baixo da língua. Mais algumas horas e eu sai do hospital com a pressão 14 por 11. O meu normal é 11 por 7.

Bruno ligou algumas horas depois e disse que continuaria monitorando minha reação por mais 48 horas, e foi assim mesmo que fez. E só depois de dois dias minha pressão voltou ao normal.

Se não fosse a ação do Centro de Toxicologia, eu não estaria aqui para contar esta história

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Pisco, o boxer com rabo

Entrei na pet shop para comprar guloseimas para Tupã. Meu querido dog resultado de cruzamento de boxer com fila. Adotei assim que desmamou, estava agora com oito meses. Passava o dia sozinho e eu tinha planos de adotar outro cachorrinho para fazer companhia a ele.

Na pet shop havia um cachorrinho boxer com cerca de três meses à venda. Pobrezinho, estava só. A dona da loja disse que ele estava “encalhado” porque tinha rabo. Como vocês sabem, é comum a mutilação de rabo e orelhas em determinadas raças em nome de um certo padrão estético. Sou contra.
Ela foi logo avisando que cortaria o rabo do filhote porque assim ele teria mais chances de ser comprado.

Mas esse tipo de mutilação é feito quando o cachorrinho tem poucos dias de vida. Com três meses é arriscado, pode infecionar e não cicatrizar.
Enquanto ela falava entraram na loja uma senhora e a filha, o boxer da família ficou no carro, muito bem sentado no banco do carona.  A senhora também achou um absurdo o boxer ser mutilado naquela idade.

De nada adiantaram nossos protestos.
Então, num impulso, eu comprei o cachorrinho para salvar sua vida. E também o seu rabo. Nunca havia comprado um cachorro. Todos os que tive foram da família, apareceram lá em casa ou alguém dava para o meu pai. Quando mudei para Brasília com minha filha também ganhei dois cachorros e depois um gato.
Tupã foi adotado e agora este, que ficou com o nome provisório de Pajé enquanto eu pensava em um nome melhor, foi comprado e não viveu o suficiente para curtir a nova casa e seu próprio rabo.
No outro dia o bichinho comeu pouco, não ficava firme em pé e também não conseguia sentar. Mas era carinhoso e buscava o meu colo. 48 horas depois da compra era óbvio que ele tinha algum problema de saúde. Levei de volta na pet shop porque a dona era veterinária e pensei que teria um diagnóstico rápido e um tratamento idem. Ele ficou internado em observação.


Voltei no outro dia, Pajé estava mais fraquinho, fiquei com ele no colo, passeamos no Sol e o levei de volta para a veterinária. Morreu no outro dia. Até hoje não sei do que ele morreu e me arrependo tremendamente de tê-lo levado lá. Deveria ter procurado outra clínica.
Dois dias depois, alguém me liga da pet shop para dizer que “meu outro boxer” estava na loja esperando por mim. O que? Era isto mesmo, já que Pajé havia morrido, um irmãozinho dele foi escalado para substituí-lo. Fiquei com dó e fui lá buscá-lo. Tinha rabo. Era esperto, andava por tudo e acabou entrando em um pacote de ração. Na loja ele estava com o nome provisório de Príncipe, chamei de Pisco.
Pisco e Tupã demoraram um tempão pra fazer amizade. Pisco vivia com as orelhas arranhadas. Até o dia em que percebeu que crescera mais do que Tupã e resolveu encarar. Hoje são amigos, um faz companhia para o outro. Pisco é muito carinhoso e brincalhão, ao contrário de Tupã, que é reservado e discreto.
E foi assim que, para salvar um rabo, eu conheci a breve vida de Pajé e aprendi a praticar lutinhas com o Pisco. Como vocês sabem, a raça se chama boxer porque adora dar socos e tapas com as patas dianteiras.

Na foto ao alto, Pisco e seu rabo. Abaixo, Pisco lambe o ar, com Tupã ao fundo.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A juruva e a jiboia

Nunca tinha visto uma Juruva Canela. E quando vi pensei que era uma galinha verde. Foi o que me passou pela cabeça quando vi o enorme pássaro ciscando no vaso para reciclagem de material orgânico colocado no quintal, perto da porta da cozinha. Ambas levamos um susto. No outro dia, ela voltou e eu vi que estava diante de um pássaro lindo, grande como uma pomba, com predominância da cor verde em suas penas, peito laranja com uma manchinha preta que parece um coração, cabeça vermelha, uma máscara negra em torno dos olhos e uma longa cauda verde e azul. Mais linda impossível.

Nessa época, verão de 2009, eu estava sem câmara fotográfica e não tinha como fazer um flagrante do pássaro. Prestei muita atenção e fiz um desenho. Pesquisando no livro do ornitólogo Johan Dalgas Frisch, comparei o meu desenho com o da publicação e desconfiei que pudesse ser a Juruva Canela, que não é comum no Cerrado, predominando na Mata Atlântica.


A certeza chegou com a descrição feita pelo amigo Silvestre Gorgulho em um jantar entre amigos. Ela tinha no carro o livro e o relógio ilustrado com pássaros, de Dalgas, e foi lá buscar no porta-malas. Veja se não é a Juruva? Perguntou. – Era!

Desde então ela me visita. Não faltou um dia. Come as frutas que coloco num comedouro improvisado, junto com sabiás, periquitos, bem-te-vi, pica-pau, pomba do Cerrado, rolinhas e uma infinidade de outros pássaros lindos e coloridos que eu não sei a espécie.

No ano passado ela surgiu ao lado de outra Juruva. Conclui que era um casal. E, logo depois, uma terceira Juruvinha, apareceu. Só poderia ser o filhote. Nunca consegui fotografar as três ao mesmo tempo.  Este ano a surpresa foi maior. Quatro Juruvas! O casal trouxe dois filhotões para eu conhecer e pude assistir da janela da cozinha – meu ponto de observação, o desenvolvimento da prole. Chegaram sem saber voar direito, com a cauda bem menor que a dos pais e recebendo comida direto no bico. O show durou duas semanas. Na terceira semana observei a mãe (ou o pai) deixá-los sozinhos no comedouro e eles, bem desajeitados, pegaram as frutas com o próprio bico.

Muito lindo. Agora as quatro estão do mesmo tamanho e já não sei quem são os adultos e quem são as crianças.

O susto! Outro dia, 6h30 da manhã, estou eu a dar comida para o passaredo quando a árvore dos cipós sacode violentamente e os pássaros voam e gritam. O que era? Uma jiboia enroscada no galho da árvore abocanhou um pássaro, acho que foi um sabiá, e o levou para o abraço da morte.

Corri e peguei a câmara fotográfica. Fiz uma sequência de fotos sem pensar. Quando baixei o arquivo, lá estava a jiboia, o pezinho do pássaro fora do abraço fatal e depois ela engolindo a presa. É natureza, pensei. Comeu, vai jiboiar e vai embora. Não foi, passou o dia. Eu de plantão, só pensava nas Juruvas. E não é que a bandida conseguiu dar o bote em uma das juruvas. Foi salva a tempo. Um vizinho, verdadeiro herói, e um funcionário do condomínio onde moro conseguiram soltar a Juruva do abraço da jiboia e ela saiu voando e gritando.

A jiboia foi levada para outra área. Fiquei dois dias sem saber se ela havia sobrevivido. Via só três Juruvas. Mas no terceiro dia vi as quatro ao mesmo tempo. Foi um alívio. Elas são as joias do meu quintal, rainhas do meu bioma particular no Cerrado, em Brasília.

sábado, 4 de agosto de 2012

A história de Lady e seus filhotes

O acesso principal para a Anvisa, no SIA, estava congestionado, resolvi dirigir por trás da Cinfel, entrando pelas vias do Pró-DF. Assim que cheguei na ruela uma cadelinha simpática saiu de um lote seguida por nove filhotinhos. Parei o carro para não atrapalhar. No portão do terreno, aparentemente baldio, estava um senhor que logo gritou:

- Pegue um, pegue dois, leve os cachorrinhos, eles vão acabar morrendo.

E a cadelinha olhando pra mim com cara de quem pedia ajuda.

Agradeci a oferta. Respondi que não poderia levar os filhotes mas que voltaria no outro dia para entregar um pacote de ração.

- Amanhã eu não estou aqui, venha depois de amanhã, disse o senhor. E chamou a cadelinha e os filhotes para dentro, fechando um velho portão de ferro branco. O lote era cercado por tábuas, mas havia várias aberturas na cerca.

Voltei, conforme combinado, com um saco de ração. Não eram mais nove filhotes, eram sete.
Alguém havia levado dois. A cachorrinha veio ao meu encontro sacudindo o rabo e logo deitou de barriga pra cima, pedindo carinho. Os filhotes eram arredios, mas quando coloquei a ração no pote todos se aproximaram para comer.

O vigia do terreno chamava-se Benedito e havia uma disputa judicial pelo lote. Ele ficava lá para evitar uma possível ocupação do espaço por uma comunidade de catadores de papel, logo em frente. Contou que a cachorrinha fora levada para lá ainda filhote pelo vigia anterior e que não tinha nome. Chamei de Lady, ela era uma gentileza só, o nome parecia apropriado.

Durante um mês, dia sim dia não, fui no lote na hora do almoço ver como estava Lady e os filhotes e levar ração, água e pomada cicatrizante para curar o estrago feito pelas moscas nas orelhinhas de Lady. Ela deixava passar o remédio mas não gostava, sumia logo depois.

Convenci colegas do meu trabalho a me acompanharem nesta missão. Em uma dessas ocasiões, pedi que Pablo pulasse o portão, com cadeado nesse dia, para colocar água e ração para a turminha. Nos dias em que viajei, os colegas me substituíram na tarefa. Assim soube, por telefone, que a disputa pelo lote chegara ao fim, com perda para quem pagava o salário do vigia e seu Benedito não estava mais lá. Mas eu tinha o celular dele e liguei pra ter notícias. Ele foi transferido para uma obra em Sobradinho e não iria mais no lote.

Pobre Lady, com três anos estimados, estava acostumada a ter uma pessoa que olhasse por ela e pelos filhotes. Era a segunda ninhada, da primeira todos morreram contou seu Benedito.

Então resolvi assumir Lady e os filhotes. Procurei a ProAnima, que publicou anúncio com foto para que Lady e quatro dos filhotes restantes fossem adotados: duas fêmeas e dois machos. Nada. Fiz campanha nas redes sociais e com os amigos, pessoalmente, nada. Eu não podia levá-los, já tenho dois dogs e eles são muito ciumentos, sendo que um deles é brabo.

Soube que um veterinário atendia cães e gatos de rua pelo preço de custo para cirurgia de castração, na 413 Sul. Imaginei que isto seria bom para o grupo, já que evitaria uma nova prenhez para Lady e os filhotes, agora com 3 meses e apenas duas, os machos sumiram. Não os vi durante uma semana, imaginei que alguém tivesse adotado.

Marquei a cirurgia para um sábado e fui com meu marido pegar Lady e as meninas. Quando cheguei no lote ela estava do lado de fora, esperando. Entrei no lote e tive um choque, os dois machinhos estavam lá, mortos, com moscas. O que teria acontecido? Penso que alguém os pegou, já doentinhos, e eles morreram.  Quem pegou não sabia o que fazer com os bichinhos mortos e levou de volta. Muito triste.

Lady olhou para mim e parecia pedir: me tire daqui. Coloquei no bagageiro junto com as filhotes: Capitu, a pretinha, que seria adotada por uma colega, e Estrela, que ainda não tinha um lar.
Lady foi toda feliz no carro, parecia que sempre havia viajado. Me lambeu agradecida. As bebês vomitaram muito. Fizeram a cirurgia. Havia uma fila enorme de cães e gatos resgatados das ruas levados por protetores para a clínica do dr. Caetano.

De tarde fui buscar a turminha. Lady e Estrela seguiram para o abrigo Flora e Fauna, uma chácara no Gama, onde aguardam adoção, e Capitu foi para o colo de Luciana em uma casa em Sobradinho II. Lady e Estrela seriam levadas para a Feira de Adoção da 108 Sul no próximo sábado. Desejo muito que tenham encontrado um lar. Capitu, minha afilhada, já recuperada da cirurgia e do trauma da separação da mãe e da irmã, brinca feliz na casa de Luciana.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Com quantos amigos se constrói uma vida?

Maneco, Português, Tamanini e Gago entram juntos no quarto do hospital e anunciam a visita ao amigo Névio Turcato, 84 anos. Nós, os três filhos, não conhecíamos nenhum deles. Por décadas meu pai manteve um encontro semanal com o grupo numa rotina que chamavam de “roda de amigos do cafezinho da rua da Praia”. Maneco é o aposentado mais novo e foi o último a se juntar ao grupo. Tamanini é primo-irmão do meu pai mas só se aproximaram na maturidade, Português e Gago são colegas do tempo em que trabalhavam em laboratório farmacêutico. Meu pai foi gerente de laboratório por muitos anos em Porto Alegre.

Maneco avisa: fiz promessa para o padre Reus. Assim que tu estiveres bem, Turcato, tu vais comigo pagar a promessa. Lembra que fiz a mesma promessa quando operastes o coração há dois anos? Fomos juntos pagar.

Getúlio Lobo é outra visita interessante. Disse que conheceu Turcato aos 22 anos contratado por ele em seu primeiro emprego no laboratório Andrômaco, mexicano. Meu tinha 34 anos.
Ficaram amigos para sempre. Alguns anos depois Lobo foi estudar Direito e tem escritório de advocacia. Revelou que foi ele quem fez o inventário da minha mãe quando ela morreu há 14 anos. Minha filha Letícia estava junto neste momento e ele ficou confuso, achou que ela era eu. Seria ótimo, o tempo não teria passado para mim, só para o mundo. Foi embora chamando Letícia de Márcia 2, prometeu voltar no noutro dia.


Um homem alto, de quase dois metros, abriu a porta do quarto 1.208 A do Hospital Santa Clara, na Santa Casa, e fechou rapidamente, fez uma cara entre surpreso e assustado. Tornou a abrir e perguntou: este é o Névio? Sim, é o Névio. Então ele contou que se chamava José Eduardo Fossati e que conheceu o Turcato quando tinha 19 anos, agora tem 59, era estagiário em uma empresa de engenharia onde meu pai era fornecedor de alguns produtos, trabalho que assumiu depois de sair dos laboratórios farmacêuticos.


-Eu era um estagiário de merda, não sabia nada. Quando conheci o Névio foi uma simpatia muito grande logo de cara. Abri minha própria empresa ao meu formar em Engenharia e o Turcato passou a fornecer material para mim. Nunca mais nos separamos. Ele foi no meu casamento e depois passamos uns 20 anos trabalhando em atividades do Grupo de Casais da Igreja. A tua mãe –Terezinha- também era espetacular, mas o teu pai sempre teve muito carisma, sempre foi muito espirituoso, vivia contando piada e sempre tinha uma palavra de apoio para todos.

Fossati vai embora prometendo voltar no outro dia. Voltou. A esposa dele, Marina, também apareceu no hospital.

E teve o dia dos Mários. Primos-irmãos com o mesmo nome. Para diferenciar, um deles é chamado de Marinho e o outro de Beto. Marinho diz que tem 71 anos e que fez a farda do quartel com o meu avô Ernesto, alfaiate no bairro Bom Fim, pai do meu pai, morto aos 59 anos em um enfarto fulminante. Era viúvo de minha avó Alzira, que morreu de tuberculose quando meu pai tinha sete anos. Foi criado pela tia Olívia, junto com os cinco primos, que viraram irmãos. E ainda tem um meio irmão, o Beto, filho da segunda esposa do meu avô, a vó Zita.

Beto e a esposa Mariú foram ao hospital logo que souberam da internação. Depois de ajudar as enfermeiras em um procedimento com o meu pai, Mariú, cansada, encostou na divisória que resguarda o paciente do leito ao lado, pensando que era parede, e tudo veio a baixo. Resultado? Ao ser erguida do chão estava com uma fratura no pulso. As enfermeiras correram com uma cadeira de rodas e ela foi levada para a emergência do Pronto Socorro Municipal, porque no Santa Clara não tem traumato.

Antes disto, quando meu pai ainda fazia exames para diagnosticar a causa da perda de peso repentina, acompanhada de enjôo e dor nas costas, minha cunhada Léo, esposa do Victor, se ofereceu para acompanhá-lo. Nenhum dos dois sabe explicar como, mas acabaram tropeçando na rua. O pai bateu com o rosto no chão, fazendo um pequeno corte no supercílio, e ela rompeu os ligamentos do pé direito. Ela chega para a visita no hospital amparada em muletas.

Minha outra cunhada, Verônica, nossa argentina gaúcha, esposa do João Luis, também está presente em todas as horas. O filho João Victor, neto mais novo de 11 anos, a acompanha. E tem o Augusto, filho de Léo e Victor, atento a todas as necessidades do avô, tentando decifrar suas palavras quando quase inaudíveis e contando as novidades do Inter. Um uruguaio acabou de ser contratado pelo time do coração do meu pai. Augusto é gremista.

O casal Mário Araújo e sua esposa Maria Luiza é outra visita querida. São compadres recíprocos de casamento. Mário lembrou que meu pai gosta de distribuir bombons para as enfermeiras e traz mais uma caixa de chocolates. A que levamos mais cedo já estava no fim. As enfermeiras gostam do agrado que humaniza a relação e chamam meu pai de vozinho. Estão encantadas com a cabeleira branca e farta do vô Turcato.

E ainda teve a visita diária da nova família que meu pai ganhou ao conhecer a Vera em um baile para idosos. Companheira desses últimos anos. Com Vera ele ganhou uma cunhada, novos filhos, novos netos, novos primos, sobrinhos e vizinhos que se revezam no hospital levando seu carinho, além da turma do baile.

Eu não presenciei o restante das visitas, mas meus irmãos contam que é um entra e sai durante o dia todo, só termina às 20 horas, quando as portas do hospital fecham. Oito décadas de uma vida carinhosa e honrada constroem amizades incontáveis, de todas as gerações. Uma dádiva eterna.