quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Com quantos amigos se constrói uma vida?

Maneco, Português, Tamanini e Gago entram juntos no quarto do hospital e anunciam a visita ao amigo Névio Turcato, 84 anos. Nós, os três filhos, não conhecíamos nenhum deles. Por décadas meu pai manteve um encontro semanal com o grupo numa rotina que chamavam de “roda de amigos do cafezinho da rua da Praia”. Maneco é o aposentado mais novo e foi o último a se juntar ao grupo. Tamanini é primo-irmão do meu pai mas só se aproximaram na maturidade, Português e Gago são colegas do tempo em que trabalhavam em laboratório farmacêutico. Meu pai foi gerente de laboratório por muitos anos em Porto Alegre.

Maneco avisa: fiz promessa para o padre Reus. Assim que tu estiveres bem, Turcato, tu vais comigo pagar a promessa. Lembra que fiz a mesma promessa quando operastes o coração há dois anos? Fomos juntos pagar.

Getúlio Lobo é outra visita interessante. Disse que conheceu Turcato aos 22 anos contratado por ele em seu primeiro emprego no laboratório Andrômaco, mexicano. Meu tinha 34 anos.
Ficaram amigos para sempre. Alguns anos depois Lobo foi estudar Direito e tem escritório de advocacia. Revelou que foi ele quem fez o inventário da minha mãe quando ela morreu há 14 anos. Minha filha Letícia estava junto neste momento e ele ficou confuso, achou que ela era eu. Seria ótimo, o tempo não teria passado para mim, só para o mundo. Foi embora chamando Letícia de Márcia 2, prometeu voltar no noutro dia.


Um homem alto, de quase dois metros, abriu a porta do quarto 1.208 A do Hospital Santa Clara, na Santa Casa, e fechou rapidamente, fez uma cara entre surpreso e assustado. Tornou a abrir e perguntou: este é o Névio? Sim, é o Névio. Então ele contou que se chamava José Eduardo Fossati e que conheceu o Turcato quando tinha 19 anos, agora tem 59, era estagiário em uma empresa de engenharia onde meu pai era fornecedor de alguns produtos, trabalho que assumiu depois de sair dos laboratórios farmacêuticos.


-Eu era um estagiário de merda, não sabia nada. Quando conheci o Névio foi uma simpatia muito grande logo de cara. Abri minha própria empresa ao meu formar em Engenharia e o Turcato passou a fornecer material para mim. Nunca mais nos separamos. Ele foi no meu casamento e depois passamos uns 20 anos trabalhando em atividades do Grupo de Casais da Igreja. A tua mãe –Terezinha- também era espetacular, mas o teu pai sempre teve muito carisma, sempre foi muito espirituoso, vivia contando piada e sempre tinha uma palavra de apoio para todos.

Fossati vai embora prometendo voltar no outro dia. Voltou. A esposa dele, Marina, também apareceu no hospital.

E teve o dia dos Mários. Primos-irmãos com o mesmo nome. Para diferenciar, um deles é chamado de Marinho e o outro de Beto. Marinho diz que tem 71 anos e que fez a farda do quartel com o meu avô Ernesto, alfaiate no bairro Bom Fim, pai do meu pai, morto aos 59 anos em um enfarto fulminante. Era viúvo de minha avó Alzira, que morreu de tuberculose quando meu pai tinha sete anos. Foi criado pela tia Olívia, junto com os cinco primos, que viraram irmãos. E ainda tem um meio irmão, o Beto, filho da segunda esposa do meu avô, a vó Zita.

Beto e a esposa Mariú foram ao hospital logo que souberam da internação. Depois de ajudar as enfermeiras em um procedimento com o meu pai, Mariú, cansada, encostou na divisória que resguarda o paciente do leito ao lado, pensando que era parede, e tudo veio a baixo. Resultado? Ao ser erguida do chão estava com uma fratura no pulso. As enfermeiras correram com uma cadeira de rodas e ela foi levada para a emergência do Pronto Socorro Municipal, porque no Santa Clara não tem traumato.

Antes disto, quando meu pai ainda fazia exames para diagnosticar a causa da perda de peso repentina, acompanhada de enjôo e dor nas costas, minha cunhada Léo, esposa do Victor, se ofereceu para acompanhá-lo. Nenhum dos dois sabe explicar como, mas acabaram tropeçando na rua. O pai bateu com o rosto no chão, fazendo um pequeno corte no supercílio, e ela rompeu os ligamentos do pé direito. Ela chega para a visita no hospital amparada em muletas.

Minha outra cunhada, Verônica, nossa argentina gaúcha, esposa do João Luis, também está presente em todas as horas. O filho João Victor, neto mais novo de 11 anos, a acompanha. E tem o Augusto, filho de Léo e Victor, atento a todas as necessidades do avô, tentando decifrar suas palavras quando quase inaudíveis e contando as novidades do Inter. Um uruguaio acabou de ser contratado pelo time do coração do meu pai. Augusto é gremista.

O casal Mário Araújo e sua esposa Maria Luiza é outra visita querida. São compadres recíprocos de casamento. Mário lembrou que meu pai gosta de distribuir bombons para as enfermeiras e traz mais uma caixa de chocolates. A que levamos mais cedo já estava no fim. As enfermeiras gostam do agrado que humaniza a relação e chamam meu pai de vozinho. Estão encantadas com a cabeleira branca e farta do vô Turcato.

E ainda teve a visita diária da nova família que meu pai ganhou ao conhecer a Vera em um baile para idosos. Companheira desses últimos anos. Com Vera ele ganhou uma cunhada, novos filhos, novos netos, novos primos, sobrinhos e vizinhos que se revezam no hospital levando seu carinho, além da turma do baile.

Eu não presenciei o restante das visitas, mas meus irmãos contam que é um entra e sai durante o dia todo, só termina às 20 horas, quando as portas do hospital fecham. Oito décadas de uma vida carinhosa e honrada constroem amizades incontáveis, de todas as gerações. Uma dádiva eterna.

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