sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A juruva e a jiboia

Nunca tinha visto uma Juruva Canela. E quando vi pensei que era uma galinha verde. Foi o que me passou pela cabeça quando vi o enorme pássaro ciscando no vaso para reciclagem de material orgânico colocado no quintal, perto da porta da cozinha. Ambas levamos um susto. No outro dia, ela voltou e eu vi que estava diante de um pássaro lindo, grande como uma pomba, com predominância da cor verde em suas penas, peito laranja com uma manchinha preta que parece um coração, cabeça vermelha, uma máscara negra em torno dos olhos e uma longa cauda verde e azul. Mais linda impossível.

Nessa época, verão de 2009, eu estava sem câmara fotográfica e não tinha como fazer um flagrante do pássaro. Prestei muita atenção e fiz um desenho. Pesquisando no livro do ornitólogo Johan Dalgas Frisch, comparei o meu desenho com o da publicação e desconfiei que pudesse ser a Juruva Canela, que não é comum no Cerrado, predominando na Mata Atlântica.


A certeza chegou com a descrição feita pelo amigo Silvestre Gorgulho em um jantar entre amigos. Ela tinha no carro o livro e o relógio ilustrado com pássaros, de Dalgas, e foi lá buscar no porta-malas. Veja se não é a Juruva? Perguntou. – Era!

Desde então ela me visita. Não faltou um dia. Come as frutas que coloco num comedouro improvisado, junto com sabiás, periquitos, bem-te-vi, pica-pau, pomba do Cerrado, rolinhas e uma infinidade de outros pássaros lindos e coloridos que eu não sei a espécie.

No ano passado ela surgiu ao lado de outra Juruva. Conclui que era um casal. E, logo depois, uma terceira Juruvinha, apareceu. Só poderia ser o filhote. Nunca consegui fotografar as três ao mesmo tempo.  Este ano a surpresa foi maior. Quatro Juruvas! O casal trouxe dois filhotões para eu conhecer e pude assistir da janela da cozinha – meu ponto de observação, o desenvolvimento da prole. Chegaram sem saber voar direito, com a cauda bem menor que a dos pais e recebendo comida direto no bico. O show durou duas semanas. Na terceira semana observei a mãe (ou o pai) deixá-los sozinhos no comedouro e eles, bem desajeitados, pegaram as frutas com o próprio bico.

Muito lindo. Agora as quatro estão do mesmo tamanho e já não sei quem são os adultos e quem são as crianças.

O susto! Outro dia, 6h30 da manhã, estou eu a dar comida para o passaredo quando a árvore dos cipós sacode violentamente e os pássaros voam e gritam. O que era? Uma jiboia enroscada no galho da árvore abocanhou um pássaro, acho que foi um sabiá, e o levou para o abraço da morte.

Corri e peguei a câmara fotográfica. Fiz uma sequência de fotos sem pensar. Quando baixei o arquivo, lá estava a jiboia, o pezinho do pássaro fora do abraço fatal e depois ela engolindo a presa. É natureza, pensei. Comeu, vai jiboiar e vai embora. Não foi, passou o dia. Eu de plantão, só pensava nas Juruvas. E não é que a bandida conseguiu dar o bote em uma das juruvas. Foi salva a tempo. Um vizinho, verdadeiro herói, e um funcionário do condomínio onde moro conseguiram soltar a Juruva do abraço da jiboia e ela saiu voando e gritando.

A jiboia foi levada para outra área. Fiquei dois dias sem saber se ela havia sobrevivido. Via só três Juruvas. Mas no terceiro dia vi as quatro ao mesmo tempo. Foi um alívio. Elas são as joias do meu quintal, rainhas do meu bioma particular no Cerrado, em Brasília.

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