COP-30
Catástrofes climáticas afetam a saúde mental
A COP-30 mostra para o mundo que tudo está relacionado e tem consequências. Desmatamento, poluição, monocultura, queima de combustíveis fósseis, derretimento das geleiras, aquecimento do oceano e consumo sem limites, entre outros fatores, têm influência direta na saúde mental das pessoas. Esse aspecto menos visível da catástrofe climática foi o tema da apresentação do professor Flávio Kapczinski. Médico psiquiatra e pró-reitor de pesquisa na UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele explica que a resiliência emocional e o trauma coletivo são aspectos presentes nas pesquisas que a universidade realiza desde a enchente de maio de 2024, que atingiu todo o estado gaúcho.
O médico destaca que “as comunidades do Rio Grande do Sul vivem um ciclo de impactos extremos e ainda estão aprendendo a se recompor. A resiliência é a capacidade de voltarmos ao estado de base depois do estresse. Mas, quando os eventos se repetem, ela se desgasta. Além da enchente, tivemos a pandemia de Covid, que fez milhares de vítimas. Ou seja, o estado viveu uma sequência de eventos traumáticos”. A pandemia de Covid causou a morte de 117.722 pessoas no estado e a enchente de 2024 atingiu fortemente 478 municípios gaúchos dos 497 existentes, alterando diretamente a vida de 2,4 milhões de pessoas. Centenas de famílias perderam suas casas e tudo o que havia dentro e milhares de pessoas foram deslocadas para abrigos. Memórias e redes de amizade foram desfeitas.
Membro titular da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências, além de Fellow of the Royal College of Physicians of Canada, ganhador do prêmio Mogens Schou Award, o mais importante do mundo sobre transtorno bipolar, com dezenas de artigos científicos publicados, Kapszinski levou para a COP 30, encerrada oficialmente na sexta-feira, 21, o trabalho que desenvolve no espaço universitário e na clínica médica. Em conversa com Brasil de Fato.RS às vésperas de viajar para Belém onde apresentou seu trabalho no último dia 20, no Museu Emílio Goeldi, Kapczinski explicou o contexto vivido pela população gaúcha. “Tivemos a pandemia de covid, a enchente de 2023 e depois a de 2024. A população não teve tempo de se recompor. Isso corrói a resiliência”.
E vai além em sua análise do cenário. “Na minha área de atuação, posso afirmar que as mudanças climáticas agravam, ou acentuam, os determinantes sociais da saúde. Toda desigualdade e vulnerabilidade, em um contexto de desastre climático, são exacerbadas porque colocam as pessoas em maior risco e, muitas vezes, isso acaba ocasionando o agravo de doenças mentais já existentes ou o surgimento de novos agravos, a partir do evento de estresse”.
O médico salienta que o Rio Grande do Sul sofreu o primeiro evento climático extremo que afetou um estado inteiro da Federação. “Sabemos que na medida em que ocorrem situações de trauma, os sintomas de doença mental têm alta prevalência, algo como 60% no momento. Na medida que o tempo passa, um ano ou mais, esse índice vai caindo, ficando entre 5% a 10% de prevalência de transtornos que foram agravados ou induzidos pelo evento traumático. No caso gaúcho, em que tivemos a Covid e a enchente, é difícil apresentar estatísticas ou conclusões definitivas. Mas, com base na literatura existente, podemos dizer que a retraumatização é um agravo, podendo piorar o quadro”.
A apresentação do professor da UFRGS, Mudanças Climáticas e Saúde Mental, reuniu evidências globais e brasileiras indicando que a crise climática é uma das principais ameaças à saúde no século XXI, com repercussões diretas, indiretas e cumulativas sobre o bem-estar psicológico. O professor destaca que eventos como enchentes, secas, ondas de calor e queimadas aumentam significativamente a prevalência de ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e abuso de substâncias.
Apresentação na COP-30
Os principais pontos da apresentação feita na COP-30 destacaram:
• Aumento do risco de adoecimento psíquico após desastres ambientais, em especial entre jovens, mulheres, idosos, populações de baixa renda, povos indígenas e pessoas com condições mentais prévias.
• Relação comprovada entre aumento de temperatura e maior incidência de suicídio, bem como maior procura por serviços de urgência psiquiátrica durante ondas de calor.
• Impacto das vulnerabilidades socioeconômicas, que funcionam como amplificadores do risco mental em contextos de estresse ambiental.
• Efeitos comunitários pouco estudados, incluindo solastalgia (sofrimento psicológico causado por mudanças negativas no ambiente), ecoansiedade (preocupação geral com o futuro do planeta devido às mudanças climáticas) e perdas identitárias associadas ao território.
O trabalho de Kapczinski contém resultados preliminares de levantamentos realizados no Rio Grande do Sul após as enchentes de 2024, que coletaram mais de oito mil respostas e mostraram elevação persistente dos indicadores de sofrimento psíquico meses após o evento.
Como resposta, o professor defende a adoção de políticas públicas que integrem clima e saúde mental, com foco em três pilares:
1. Promoção de saúde mental e fortalecimento do bem-estar populacional, elevando o “ponto de partida” psicológico das comunidades antes que desastres ocorram.
2. Investimento em resiliência comunitária e capital social, considerados os mais fortes preditores de adaptação positiva após eventos extremos.
3. Expansão e preparação das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) para atuar de forma estruturada nas etapas de prevenção, resposta e recuperação.
“O aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos é inevitável nas próximas décadas. Precisamos preparar comunidades, sistemas de saúde e políticas públicas para mitigar o impacto emocional dessas crises que se tornarão recorrentes”, afirmou Kapczinski.
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